OPINIÃO

Modernagem


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Eu sou do tempo da caneta tinteiro (uso até hoje e adoro), da máquina de escrever, cujo período, por exemplo, os advogados consultavam bibliotecas enormes, arquivos das universidades, tribunais, fichas e mais fichas de acompanhamento e jurisprudências. A partir disso compilávamos todo esse material, reduzíamos ao máximo os textos e, com poucas palavras e páginas, transmitíamos todo o pensamento e teses submetendo-as à apreciação judicial. Era romântico e muito criativo.

Os tempos mudaram e aquelas petições com poucas páginas, alcançaram textos enormes a partir do tal do “copia e cola”, por meio do qual muitas pessoas, ao sustentar suas teses, copiavam textos brilhantes – no mais das vezes sem sequer indicar a fonte – apropriando-se da ideia como de sua autoria!

Lembro, muito bem de um fato interessante, no qual a parte contrária ao apresentar resposta seguia em uma linha de raciocínio mediano e, em determinado momento, dava um salto de qualidade invejável. Curiosamente selecionei um pequeno trecho e efetuei busca na rede mundial de computadores, não sobrevindo surpresa, senão a comprovação da tal ”copia e cola”, pouco recomendável, pois se tratava de cópia integral de autoria de jurista, afastando sobremaneira a criação, remetendo-nos a frase clássica: “Nada se cria. Tudo se copia.”

Atualmente é a tal da “Inteligência Artificial”, por meio da qual, nem se pensa mais. Basta digitar alguns informes e dados ao sistema que ele próprio pensa e cria de tudo, desde imagens, sons a textos e parâmetros com alta relevância!

O risco é vultoso, vez que os informes e dados são apresentados por seres humanos os quais seguem ensinamentos pouco recomendáveis. “Poucos recomendáveis”? Como assim? Aqui vale lembrar, por exemplo, que, como sabemos, o material didático-pedagógico é eurocêntrico, racista, machista, homofóbico, entre outros comportamentos discriminatórios. Nesse sentido, ressaltando que, por exemplo, no sistema prisional o número de pessoas negras condenadas é muito maior que qualquer outro segmento até por conta da base educacional fundada em pensamentos e orientações de grandes e festejados filósofos, dentre os quais, não canso de repetir, Montesquieu, ao pregar que “Não nos podemos convencer que Deus, que é um ser muito sábio, tenha posto uma alma, principalmente uma alma boa, num corpo todo preto.” Assim, ao seguir ensinamentos dessa espécie a Inteligência Artificial fica totalmente comprometida.

Com essa base de dados, o sistema pode adotar essa intepretação por padrão, cujo resultado não exige esforço para compreender, surgindo, portanto, mais uma classificação de racismo, qual seja o “racismo algorítmico”.

De mesmo modo, na Educação, sabendo que as pessoas negras são e foram tratadas feito coisas, animais, sem preparo e que nem alma tinham, o sistema algorítmico pode interpretar esses dados nesse formato, cujo resultado fica absolutamente comprometido com a realidade determinando que seu uso seja efetivado com muita cautela.

Nessa mesma trilha não podemos deixar a um segundo plano o tal do “reconhecimento facial”, no qual as imagens das pessoas negras não refletem a realidade, de mesmo efeito dos reconhecimentos fotográficos, permitindo incontável número de erros judiciais, tomando uma facilidade em dificuldade, haja vista o distanciamento da solidariedade, do calor humano, da empatia, por enquanto, longe dos sabores, aromas enfim do amor propriamente dito tanto em falta nos dias atuais.

De um modo ou de outro não se vê solução, congelamento, opção, retorno ou algo que o valham, todavia, inevitável adaptação ao novo sistema de vida, interpretação e convivência.

Como disse no início dessa matéria, que saudade dos fóruns agitados, pessoas circulando por todos os lados, o contato pessoal com servidores, juízes, advogados, promotores!

A modernagem trouxe também tristeza aos espaços públicos, rede bancária, lojas, onde as pessoas se acotovelavam, transmitiam calor humano, trocas de experiências, abraços, cafezinhos, audiências, proximidades, etc. etc, hoje a distância é enorme e extremamente fria vindo  baila a seguinte frase : “Nada é permanente, exceto a mudança.”

Eginaldo Honório é advogado, doutor Honoris Causa e conselheiro estadual da OAB/SP ([email protected])

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