OPINIÃO

A morte, como notícia

Por Zarcillo Barbosa |
| Tempo de leitura: 3 min

Os obituários dos jornais me atraem. Leio-os, não por desejo mórbido, mas pela oportunidade aberta para que sejam contadas histórias de pessoas sem história. Nem só de famosos, com suas ricas biografias, vivem as colunas dedicadas àqueles que iniciaram "o grande sono", como dizem os ingleses. Aqui em Bauru dizemos que "a pessoa ou desta para melhor". Onde é isso? Núcleo Fortunato Rocha Lima?

A imprensa norte-americana leva o obituário muito a sério. Os jornais, mesmo os de cidades pequenas, publicam páginas resumindo a vida dos que partiram, do simples vendedor de hot dogs ao general herói do Vietnã.

O "NY Times" tem um comitê de experts para essa tarefa que eles chamam de "Deathlist" (lista de morte), que elenca 50 celebridades selecionadas por possibilidades de morte durante o ano. São textos jornalísticos que fazem apanhados biográficos de pessoas prestes a comprar a agem só de ida (buy de one-way ticket). Seguem rigoroso planejamento e execução. Por vezes, ficam prontos décadas antes do óbito dos seus objetos. Cinco obituaristas do Times escreveram o texto definitivo do bilionário David Rockfeller. Todos morreram antes dele, aos 102 anos.

Houvesse um Times à época de Jesus Cristo, ironizou a revista "Vanity Fair", o relato da morte começaria assim: "Jesus de Nazaré, um carpinteiro galileu que virou pastor itinerante cujo apelo à piedade e cuja reputação como curador galvanizaram um contingente expressivo de fiéis, morreu na sexta, após ser crucificado naquela manhã, nas redondezas de Jerusalém. Dois dias antes, seus seguidores o haviam recebido triunfalmente na cidade como "o ungido" e o "filho de Davi". Ele tinha cerca de 33 anos."

A publicação nova-iorquina preparou o primeiro de muitos obituários de Fidel Castro, 57 anos antes da sua morte.

Curiosa a revelação do "Livro dos Obituários do NYT", sobre as entrevistas realizadas por repórteres especiais com figuras públicas. Elas sabem que a matéria somente será publicada após a sua morte. Mesmo assim, nunca se negam a receber o jornalista e consideram "uma honra" estarem no rol daqueles que justificam a preparação de um compilado biográfico. Atribui-se a um lendário editor do jornal, A.M. Rosenthal, a máxima, "Se você tiver que morrer, é melhor morrer no N.Y. Times".

A jornalista Katie Roiphe, conta como vários pensadores encararam a aproximação da morte. A maioria revelou desejos de ter seus despojos cremados, até por uma razão econômica. Nos Estados Unidos a cremação custa dez vezes mais barato do que o enterro tumular.

Aqui jaz Sigmund Freud, que mesmo sob dor lancinante, aceitava no máximo aspirina, para não minar sua lucidez. Ainda saudável, ele escreveu sobre a forma como os vivos iram o morto, "como alguém que completou uma tarefa muito difícil". Viciado em charutos, submeteu-se a 33 cirurgias para combater um câncer na mandíbula. Sucumbiu a uma overdose de morfina, numa possível eutanásia, aos 83 anos, em 1939. Menos honrosa foi a morte de Honoré de Balzac (1799-1850), "que se matou com café e trabalho".

Há os que, diante do inexorável, deixam preparados seus epitáfios. O cronista, até rimou: "Aqui jaz Fernando Sabino, nasceu homem, morreu menino". John Updike, escritor de best-sellers, mandou inscrever que recebeu as piores notícias no hospital e transformou "dor em mel". Escreveu no leito um livro de poesias. Morreu de câncer, aos 76 anos, em 2009.

T.S. Eliot, "a figura quieta e cinzenta que deu novo significado à poesia em inglês", segundo o Times, morreu aos 76, de enfisema. Ganhou o seguinte epitáfio, pinçado de outro escrito seu: "No meu começo está o meu fim. No meu fim está o meu começo".

A ideia de travar um diálogo final com o ente querido, "no qual tudo será resolvido, perdoado, etc.", não a de um capricho. A morte não respeita cronogramas.

O autor é jornalista.

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