OPINIÃO

Procuração ou interdição? Saiba o que ninguém te contou

Por Tiago Faggioni Bachur | Especial para o GCN/Sampi Franca
| Tempo de leitura: 6 min

Imagine a seguinte situação: Seu pai, com mais de 80 anos, começa a ter dificuldade em lembrar os nomes dos filhos, não consegue encontrar seus documentos e assina contratos sem compreender completamente o que está fazendo. Um dia, alguém aparece oferecendo uma “oportunidade tentadora” e ele acaba entregando seu cartão bancário e senha.

Isso pode parecer exagerado, no entanto, essa cena se repete diariamente. Com circunstâncias variadas, mas envolvendo a mesma aflição e desamparo. É nesse ponto que surgem perguntas difíceis de encarar, mas que são cruciais: será suficiente uma procuração simples? Ou será necessário recorrer à interdição judicial? A decisão pode ter um impacto significativo em toda uma família.

1. Procuração: quando a clareza mental ainda permite (assistência controlada)

A procuração é um documento no qual uma pessoa autoriza outra a agir em seu nome. Pode ser concedida por alguém plenamente saudável ou que, mesmo estando lúcido, esteja doente, enfrentando dificuldades de locomoção ou, ainda, prefira receber auxílio em questões cotidianas. Esse procedimento é ágil, conveniente e pode resolver diversas situações. Assim, por exemplo, se você mora em uma outra cidade e quer vender um imóvel, poderá outorgar uma procuração para que um irmão cuide dos trâmites para isso. Outro exemplo, às vezes o indivíduo é extremamente ocupado, trabalha o dia todo e não consegue ir ao banco ou em determinadas repartições e acaba ando uma procuração para seu filho ou esposa representá-lo. Uma outra modalidade de procuração é a “ad judicia”, dada a um advogado para representar os interesses de seu cliente em um processo na Justiça – seja para propor uma ação ou defender, bem como praticar todos os atos processuais.

No entanto, há uma limitação: toda e qualquer procuração é válida apenas enquanto a pessoa estiver lúcida e consciente. Caso haja indícios de demência, Alzheimer avançado, esquizofrenia ou qualquer outra condição que afete a capacidade de discernimento, essa procuração pode ser invalidada — nesse caso, a interdição judicial se torna a única alternativa legal.

Aliás, se for tentar fazer uma procuração pública nesses casos, o tabelião do cartório se perceber a real situação do outorgante, recusará e mandará fazer a interdição pela Justiça.

2. Interdição: quando o cuidado demanda proteção legal

Interditar não significa abandonar, mas sim cuidar com responsabilidade. A interdição é um procedimento legal que reconhece a incapacidade de uma pessoa de gerir sua própria vida com segurança. Isso pode ser motivado por doenças neurológicas, distúrbios mentais, deficiências graves, acidentes, entre outras circunstâncias. O indivíduo interditado é considerado civilmente incapaz, parcial ou integralmente, assemelhando-se a uma criança perante a lei. Nessa condição, não está autorizado a contratos, gerir sua conta bancária sem assistência, vender propriedades, fazer empréstimos, contrair dívidas ou ser vítima de fraudes por terceiros. Caso realize qualquer dessas operações, poderá ser invalidada.

Todas essas responsabilidades am a ser atribuídas ao curador, designado pelo juiz.

Essa designação é crucial para garantir que a pessoa vulnerável não seja explorada.

3. Curador: quem assume o cuidado também assume obrigações importantes

O curador é encarregado de zelar pelos interesses do interditado. Embora possa ser um filho, cônjuge, irmão, tio, sobrinho, entre outros, não basta apenas o desejo de assumir essa função. O juiz avaliará se o curador possui a integridade moral, capacidade emocional e estrutura necessária para desempenhar esse papel. Ademais, o curador não possui total liberdade de ação. É obrigado a prestar contas de suas atividades, não sendo permitido, por exemplo, vender um imóvel sem autorização judicial. Qualquer desvio de conduta pode resultar em consequências legais. Todos os bens em nome do interditado devem ser geridos com diligência e transparência.

4. É importante ressaltar que o “não fazer nada” também acarreta implicações legais

Muitas famílias hesitam em solicitar a interdição, acreditando que seja um exagero ou que possa prejudicar o indivíduo. No entanto, a omissão diante de uma incapacidade comprovada pode configurar o crime de “abandono de incapaz”, conforme previsto no artigo 133 do Código Penal. Além disso, o Ministério Público pode ser acionado para investigar e, se necessário, promover a interdição independentemente da vontade da família.

Portanto, quando se percebe que alguém não é mais capaz de cuidar de si mesmo, agir torna-se uma obrigação. Proteger, através da interdição, é um gesto de amor.

Assim, a negligência pode resultar em omissão punível.

5. Interdição total ou parcial? Há distinções significativas?

Sim, há diferenciações importantes:

  • Na interdição total, a pessoa fica impedida de exercer qualquer ato na esfera civil, aplicando-se a casos de completa incapacidade.
  • Por outro lado, na interdição parcial, a pessoa conserva a capacidade de tomar algumas decisões, como votar, casar-se ou até trabalhar, dependendo do seu grau de discernimento e das determinações judiciais.

Em outras palavras, nem todo interditado é privado de todos os direitos. Cada situação é analisada minuciosamente pelo sistema judiciário a fim de garantir proteção sem suprimir direitos que a pessoa ainda possa exercer.

6. O interditado mantém seus direitos? Sim, e são diversos!

A interdição não implica em perda de dignidade, ao contrário, visa assegurar que os direitos da pessoa sejam preservados. Por exemplo:

  • Se o indivíduo for segurado pelo INSS, poderá receber aposentadoria por invalidez, com possibilidade de um acréscimo de 25% no benefício caso necessite de assistência constante de terceiros.
  • Caso não seja segurado, poderá ter direito ao Benefício de Prestação Continuada (BPC/LOAS), no valor de um salário-mínimo por mês, desde que comprove a deficiência ou incapacidade e a renda familiar baixa.
  • Uma informação pouco conhecida é que mesmo que o interditado já seja aposentado, pode ter direito ao recebimento de pensão por morte dos pais, caso seja considerado dependente deles. Ou seja, poderá acumular mais de um benefício previdenciário (aposentadoria e pensão ou pensões por morte).

Isso quer dizer que a interdição não implica em renúncia de direitos, mas sim na garantia de que esses direitos sejam exercidos com segurança e responsabilidade.

7. Como funciona o processo de interdição?

Tudo se inicia com um requerimento judicial, geralmente feito por um familiar. O juiz ouve o indivíduo interditado (se possível), solicita perícia médica, colhe depoimentos de testemunhas e analisa as provas apresentadas. O magistrado avalia tanto a necessidade da interdição quanto a adequação do curador. Trata-se de um processo criterioso, cujo intuito não é privar alguém de sua autonomia por mera conveniência, mas sim proteger quando essa autonomia já não pode ser mantida.

8. Conclusão: quem ama cuida e assume responsabilidades

A interdição não representa um fim, mas sim um novo começo com segurança. É dar voz àqueles que não conseguem mais se expressar. É garantir dignidade, mesmo diante da fragilidade. Se há alguém em sua família que necessita de apoio, não espere pela situação se agravar. Busque orientação, consulte um advogado especializado e descubra qual é o melhor caminho a seguir. Deixar de fazer o que precisa ser feito, ou seja, a omissão, nessas circunstâncias, pode custar caro, tanto do ponto de vista emocional quanto legal.

Tiago Faggioni Bachur é advogado, especialista e professor de direito previdenciário e autor de obras jurídicas.

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