Há décadas, o Brasil debate-se entre sua realidade de economia de renda média e mal distribuída e o sonho de conquistar o mesmo patamar dos países desenvolvidos. Nosso PIB per capita não alcança os US$ 10 mil anuais, ainda distante da linha de chegada dos US$ 14 mil que delimitam o ingresso no grupo das nações ricas. Para cruzar esse limiar, não há atalhos: o nível de investimentos precisa ficar em torno de 24% do PIB, ante os 17% nos quais seguimos patinando.
O problema é que temos o péssimo costume de jogar contra nós mesmos, limitando nossa capacidade de crescer de maneira sustentável. E fazemos isso com invejável talento... Mantemos uma das maiores taxas de juros reais do planeta, sufocando o crédito e desencorajando o investimento produtivo. Cobramos impostos em demasia, convivemos com insegurança jurídica, altos custos logísticos, entraves regulatórios e encargos trabalhistas exagerados, que desestimulam a geração de empregos.
Chamamos esse caldeirão de ineficiências de “Custo Brasil”, como se todos esses ônus fossem algo atávico e irremovível de nossa cultura e de nossa estrutura como país. Não são!
Podemos e devemos vencer dogmas e avançar. No entanto, quando surgem boas políticas públicas na direção do progresso, logo vem o famigerado fogo amigo. Foi o que vimos no final de maio: o aumento da alíquota do IOF sobre operações de crédito para empresas, de 0,38% para 0,95%, e a majoração da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). As duas medidas são variações pouco criativas sobre o mesmo tema: aumentar a transferência de recursos da economia real para cobrir o déficit fiscal do Estado. Na prática, reforça-se a insegurança jurídica, eleva-se o custo de produzir e se enfraquece a já combalida competitividade da indústria.
Quanto ao IOF, é difícil compreender a lógica de encarecer o crédito, por meio de um decreto, justamente quando o governo mantém programas como a Nova Indústria Brasil (NIB) e a Depreciação Acelerada, lançados em 2024, que buscam modernizar e estimular o setor manufatureiro. É incoerente. Pode-se alegar que os empréstimos do Finame (Financiamento de Máquinas e Equipamentos), concedidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), ficaram fora do aumento. No entanto, essa linha não tem escala para atender a toda a demanda nacional.
Esperamos que o diálogo em curso do governo com o setor privado e as lideranças do Congresso Nacional sejam bem-sucedidos, ao longo deste mês de junho, no sentido de reverter a medida, pois essa prática recorrente de elevar a carga tributária para tapar buracos no erário atinge todos, encarece produtos, alimenta a inflação, reduz o poder de compra das famílias e afugenta investimentos. É um círculo vicioso que já conhecemos bem. E, o mais grave, é uma consequência direta da omissão persistente com relação à reforma istrativa, que segue engavetada no Congresso Nacional. Sem um Estado mais leve, eficiente e produtivo, continuaremos usando o dinheiro dos brasileiros para alimentar o déficit público e não o desenvolvimento.
Quanto à Medida Provisória 1.300/25, que prevê gratuidade ou descontos na conta de luz para até 60 milhões de consumidores, trata-se de medida louvável em seu aspecto social, mas sua compensação fiscal jamais poderia ter sido reada à indústria, por meio do aumento da CDE. Segundo a Associação Brasileira dos Grandes Consumidores (Abrace), a tarifa pode subir até 20% para o setor manufatureiro. Não é pouco e o impacto é amplo, pois quase tudo que depende da indústria ficará mais caro: Pão (27,2% do custo referem-se à conta de eletricidade); caderno (35,9%); borracha (24,5%); roupas (12,4%); esquadrias (25,3%); tubos de PVC, vidro e cimento (24,5%) .... a lista é longa.
É legítimo pensar em políticas sociais de eletricidade, mas elas não podem ser instituídas às custas da redução da competitividade industrial. O setor não tem mais como absorver aumentos na conta de luz, pois quando sua própria energia produtiva é onerada, perde fôlego, com reflexos nos empregos, na renda e o próprio consumo das famílias. A conta social volta para quem deveria ser beneficiado.
É hora de conter o fogo amigo. Precisamos reduzir o “Custo Brasil”, parar de relativizá-lo como marca registrada de nossa identidade nacional e desonerar as empresas, para fortalecer os investimentos. Produzir, gerar empregos e investir no País já é caro demais. Insistir em soluções paliativas, como aumento de tributos e encargos, é perpetuar a letargia econômica. É preciso inverter essa lógica perversa. Nenhuma nação progride na proporção de todo o seu potencial, quando insiste em sabotar seu próprio futuro.
Rafael Cervone é o presidente do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) e primeiro vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).