OPINIÃO

A favor ou contra?


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Escrever, para quem gosta, é como respirar. Para certas pessoas, a sua mente é um redemoinho em constante movimento. Uma infinidade de pensamentos fornece material para elucubrações escritas, muitas das quais não chegam ao papel. Ou, no caso presente, à telinha...

Mas alguma coisa merece registro. Quando se vê, aquela tênue insinuação que ou de relance pelo turbilhão das ideias, ganha força e é reproduzida sob forma verbal.

Os jornalistas são peritos em exprimir por escrito o que lhes pera a mente. São excepcionalmente providos de qualidades para traduzir, de maneira persuasiva e sedutora, mensagens que atingem diretamente o alvo: a atenção do leitor.

Muitos dos intelectuais que se notabilizaram exerceram o ofício de escritor simultaneamente à prática do jornalismo diário. Muito folclore cerca a vida de alguns deles. Conta-se, por sinal, que Alcindo Guanabara (1865-1918) foi convidado a substituir o redator-chefe de um jornal, o “Jornal do Comércio”, que estava em viagem à Europa, em busca de recursos para que a empresa não naufragasse.

Eis que chega a Semana Santa e é preciso escrever artigos candentes sobre a “Semana Maior” da Cristandade. Carlos de Laet (1847-1927) era um crítico muito sarcástico e narra o episódio a seguir com o sabor cáustico de sua fala. Solicitado a escrever sobre Jesus, Guanabara teria indagado:

- “A favor ou contra?”.

Versões dessa postura proliferaram e os personagens mudam de acordo com a época e com o narrador.

Só que aquele dito popular “quem conta um conto, aumenta um ponto”, é veraz. Ocorreu, de fato, que Alcindo Guanabara, a substituir, transitoriamente, o redator-chefe do “Jornal do Comércio”, que era um homem protestante de convicções profundas, apenas teria perguntado:

- “Devo escrever sobre o Cristo católico ou sobre o Cristo protestante?”.

As questões religiosas sempre exasperaram temperamentos fortes, dos quais a Imprensa está repleta. É da própria índole do jornalista ser polêmico e contestador.

São Luís de França, a capital do Maranhão, sempre foi um reduto de bons escritores. Ela foi cognominada a “Atenas” brasileira, pois ali se dizia falar o melhor português de nosso País. Pois ali, os jornais “O Pensador” e “A Civilização” se digladiavam em terrenos antípodas. Aluísio Azevedo (1857-1913), escrevera “O Mulato”, em cuja trama a figura do Cônego Diogo era bem fustigada pelo autor. Já “A Civilização” era a folha do clero maranhense, dirigida pelo Cônego Raimundo Mourão.

Ataques de lado a lado acirraram os ânimos, a ponto de um dos clérigos ter jurado ir ao extremo do desforço pessoal com Aluísio. Aguerrido, prontamente aceitou o desafio. E como ambos não se conheciam pessoalmente, só pelas colunas dos jornais, Aluísio fez publicar um auto-retrato:

“Vinte e três anos. Moreno e corado, nariz grande e aquilino, olhos rasgados, escuros e pestanudos, usa a barba raspada e um pequeno bigode de um chique pitoresco; altura regular, cheio de corpo e cabelos castanhos e lisos. Sinal particular: traz constantemente uma grossa bengala de carnaúba, de meia polegada de diâmetro e com ferros pontiagudos em ambas as extremidades. A fotografia acha-se exposta na redação deste jornal”.

Depois da publicação, o Padre Castro entendeu a advertência e arrepiou carreira. O certo é que deixou em paz as costelas do romancista, para garantir a incolumidade das próprias costelas...

José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo ([email protected])

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