
Nem todo mundo que trata uma boneca reborn como se fosse filha está lidando com traumas ou perdas. A popularização desses bonecos hiper-realistas também atrai quem vê na prática a oportunidade de ganhar curtidas nas redes sociais. Mas, para parte do público, a relação com os reborns realmente tem menos a ver com estética e engajamento do que com questões profundas de saúde mental como luto, solidão e desejo frustrado de maternidade.
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A psicóloga Isabel Fonseca, da equipe de Saúde Mental do Francisca Julia, em São José dos Campos (SP), explica que cuidar de um reborn pode ser uma forma simbólica de suprir necessidades emocionais. “Esses bonecos funcionam como objetos transicionais, ajudando a expressar sentimentos relacionados ao cuidado, à perda ou à solidão. Para algumas pessoas, é uma maneira de vivenciar o papel de mãe ou lidar com frustrações como a infertilidade ou a perda de um filho”, afirma.
Isabel destaca que esse tipo de comportamento não é necessariamente patológico. “Se não interfere na vida social, profissional ou na saúde mental, pode ser uma forma saudável de expressão emocional. Só a a ser sinal de alerta quando substitui as relações reais ou leva ao isolamento social e sofrimento intenso.”
Nem sempre há transtorno envolvido
Apesar das aparências, nem sempre há um transtorno psicológico por trás do hábito. Segundo a especialista, não existe um perfil fixo entre quem adota reborns. “Há uma frequência maior entre mulheres adultas, muitas vezes de meia-idade, com forte desejo de maternidade ou necessidade de afeto, mas cada caso é único. O comportamento pode estar ligado mais à história de vida e ao contexto emocional do que a um diagnóstico clínico.”
A diferença entre brincar com bonecas e viver uma realidade paralela com um reborn também é significativa. “Enquanto brincar de boneca, mesmo na vida adulta, pode ser um hobby inofensivo, tratar um reborn como se fosse uma criança real, com atribuição de sentimentos e rotinas diárias, pode indicar uma dissociação da realidade”, explica Isabel.
Quando há prejuízos evidentes no convívio social, no trabalho ou sofrimento intenso, a orientação é buscar acompanhamento psicológico. “A abordagem terapêutica varia conforme o caso, mas é essencial avaliar o histórico emocional e o impacto desse comportamento na vida cotidiana da pessoa.”
Tendência nas redes
Enquanto algumas pessoas vivem esse vínculo íntima e emocionalmente, outras enxergam nos reborns uma oportunidade de entretenimento digital. O comportamento não é sempre motivado por sofrimento. Há também quem entre nessa onda pela estética, pela oportunidade de divulgar um produto ou simplesmente para ganhar seguidores nas redes sociais.
Seja como válvula de escape emocional ou vitrine virtual, os reborns têm dividido opiniões e atraindo olhares, ora de empatia, ora de espanto. A fronteira entre afeto simbólico e desconexão da realidade, no entanto, é tema de atenção clínica.